Em tela, um viúvo, chef de cozinha, e suas tres filhas. O pai emprega todo o seu conhecimento e habilidade no preparo de comidas típicas de sua cultura para os jantares semanais com as filhas. Elas participam do ritual doméstico, talvez nem sempre muito atentas, preocupadas, cada uma a seu modo, com o rumo de suas próprias vidas. Esses são os personagens centrais de um roteiro que é desenvolvido com delicadeza e graça em dois filmes: um taiwanês, outro americano.
Vi inicialmente o filme americano, com Hector Elizondo no papel do viúvo mexicano que vive em Los Angeles com suas filhas e tenta cultivar as tradições de seu país de origem. Intitulou-se Tortilla Soup (2001) e foi uma adaptação do original taiwanês, Comer, beber, viver (Yin shi nan nu ou Eat drink man woman, de 1994), dirigido por Ang Lee (o premiado diretor de Brokeback Mountain). Os dois roteiros são praticamente iguais, mas as diferenças culturais são bem marcantes e isso dá um tom distinto aos filmes.
As cenas iniciais são primorosas. Ambos filmes começam mostrando o pai preparando o jantar. O foco principal são suas mãos e os inúmeros ingredientes e instrumentos que elas manejam. O homem movimenta-se com destreza e maestria, preparando vários pratos, todos muito elaborados. A câmera capta todas as minúcias. Somos espectadores privilegiados de uma espécie de concerto. Nessas cenas de abertura as duas culturas já ficam muito visíveis. Não apenas os ingredientes e aparatos são distintos, mas as cores, muito vivas e vibrantes na cozinha mexicana e mais sóbrias na taiwanesa, marcam as diferenças. Mais diferenças culturais aparecem ao longo dos filmes, talvez nem tanto pelos espaços ou personagens, mas pelas marcas que os dois diretores imprimem.
As vidas das filhas, seus romances, trapalhadas e desencantos e também um romance e frustrações na vida do pai tecem a história que é, ao longo de cada filme, pontuada pela comida. A mesa de refeições é o espaço privilegiado das comunicações familiares, dos anúncios de casamento, gravidez, partidas. O pai insiste na feitura de seus pratos elaborados, embora sem a segurança de ter alcançado o sabor desejado pois desde a morte da mulher perdeu a sensação do olfato e do paladar.
É a comida que, de certa forma, constrói o texto e o pretexto da história dessa família e de um pequeno punhado de gente que circula ao seu redor (vizinhos, colegas, namorados e namoradas).
Um crítico, Steven Greydanus, expandindo a metáfora culinária na comparação dos filmes, afirmou que Eat drink man woman seria semelhante aos pratos requintados que os dois patriarcas preparam, enquanto Tortilla Soup, com seus toques hollywoodianos, se aproxima mais da "comfort food", uma boa comida caseira. Um e outro, na minha opinião, adoráveis.
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