domingo, 30 de dezembro de 2012

Tradições

Parece quase obrigatório falar de tradições (culinárias ou de outra ordem qualquer) nesta época do ano. Queria fugir disso mas...

Na minha família e, suponho, na de muitos, acaba-se por repetir nas festas de natal e de fim de ano alguns rituais ou, pelo menos, algumas receitas. Numa casa marcadamente portuguesa, o bacalhau e as rabanadas sempre estiveram presentes à mesa do natal. Quando era criança e os festejos se faziam na casa de meus avós paternos, penso que o prato era preparado por minha avó, cozido com batatas ou ao forno - não tenho certeza. Minha avó, pequenina e decidida, gostava de mandar e minha mãe,  para evitar atritos com a sogra,  geralmente seguia suas "orientações". Mas o tempo foi passando e a mãe (que também era portuguesa) acabou por introduzir sua inovação no ritual. O calor do natal brasileiro sugeria e justificava pratos frios, então ela começou a levar para a ceia uma salada de bacalhau. A versão agradou e passou a se constituir numa nova tradição que permanece (pelo menos por enquanto). E, nos últimos anos, sou eu que tenho me incumbido de preservá-la. 

Foi em Torres, na casa de amigos, que passamos a data há poucos dias atrás. Como os supermercados de praia costumam ser precários (e caros), levei da cidade uma boa peça de bacalhau salgado. Não haveria muito tempo para dessalgá-lo pois estávamos viajando na véspera da festa, então tive o cuidado de trocar várias vezes a água da vasilha conservada no refrigerador (cheguei até mesmo a me levantar no meio da noite para fazer isso!). A praia ótima, o sol, o mar, o calor e a caipirinha fizeram com que eu me ocupasse do "assunto" somente depois do almoço. Era dia 24 de dezembro e a festa começaria em poucas horas. 



Iniciei o preparo cozinhando o bacalhau com bastante água, ao mesmo tempo em que, com a ajuda de minha irmã, descascava e cortava em rodelas as batatas. Depois de uns quinze ou vinte minutos de cozimento considerei que a peça (que tinha em torno de 850 gramas) estava pronta e retirei da panela. Aproveitei a água para cozinhar as batatas que, assim, iriam ganhar um tanto mais do sabor do peixe. Cuidei para que as batatas ficassem no ponto, isto é, bem firmes. Imediatamente escorri-as da água, esperei só um pouquinho e já coloquei um pouco de azeite para temperá-las. Agora tinha de achar um lugar arejado para ver se conseguia resfriá-las rapidamente. (O calor era intensíssimo!)

Desmanchei o bacalhau em lascas, cozinhei alguns ovos e depois cortei-os em fatias, cortei também algumas cebolas roxas em fatias fininhas. Juntei todos esses ingredientes mais azeitonas e azeite, é claro! A salada estava pronta. Em seguida foi para o refrigerador, aguardando o horário da festa.

Como costuma acontecer nessas reuniões em que cada grupo familiar leva alguma comida, a mesa (farta) mostrava-se um tanto heterodoxa: havia peru, farofa e frutas (como poderiam faltar num natal brasileiro?), salpicão de frango, arroz à grega, etc. etc. Com muita alegria todos se lançaram aos pratos. Provando um pouquinho daqui, um pouquinho dali, promoveram-se combinações inusitadas e, ao final, distribuiram-se elogios a todos os responsáveis.

No dia seguinte...

evidentemente havia muitas sobras - absolutamente aproveitáveis e saborosas. Não se podia desperdiçar o que havia sido feito com tanto carinho e cuidado. O almoço constituiu-se, então, na transformação ou renovação dos pratos. E aqui, na minha opinião, fica revelada outra qualidade da salada de bacalhau: colocada numa travessa refratária e levada ao forno (mais um tantinho de azeite para dar brilho e salsinha picada para dar graça) vira um prato "novo": bacalhau no forno. Fácil de fazer, fácil de transportar, fácil de transformar.


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