"Uma coisa importante na vida e, também na cozinha, é perguntar porque as maneiras de fazer as coisas são assim e não de outro jeito. Isso é a raiz de qualquer descoberta culinária".Quem fala assim é Giulio, um dos personagens de Aqueles cães malditos de Arquelau, de Isaias Pessotti. O livro de Pessotti não é, contudo, um livro de gastronomia. Longe disso. É um romance que gira em torno de um grupo de jovens pesquisadores de um centro acadêmico de Milão, no final dos anos de 1960. Dedicados e intensos na busca do conhecimento, esses jovens se embrenham no passado de uma villa da região e acabam descobrindo um inédito manuscrito do século XV. Recolhendo vestígios e juntando peças, terminam por reconstruir histórias proscritas.
O livro mistura mistério, paixões, debates acalorados em torno do saber. Em meio a tudo isso, a curiosidade, o prazer e o diálogo também se fazem, algumas vezes, em torno da comida e da bebida. Saboreando salames e massas, bebendo um pinot grigio ou provando, numa velha trattoria, uma receita especialíssima de faisão preparada pela mulher de Giulio, eles se veem envolvidos em discussões sobre originalidade ou genialidade. O comentário de Giulio, ainda que a propósito de uma receita, pode ser (quem sabe?) tomado como uma tese por seus ouvintes. Espantado com a solenidade da própria frase, Giulio continua
"Quero dizer", atenuou sem muito jeito, "que não se deve empregar um certo tempero ou um modo de cozer só porque se aprendeu assim. Um tempero ou combinação de temperos é usado porque produz certos efeitos bem precisos. Mas o mesmo efeito pode resultar de outros condimentos e isso pode trazer vantagens que o modo tradicional não permitia".
"Giulio, espera um pouco", falou Lorenzo, "um tempero é uma erva, louro, por exemplo. E o efeito dela é, digamos, um certo perfume..."
"Não. Talvez sim, explico", continuou nosso oste, "um tempero é um sabor ou aroma que pode ser dado por uma erva ou um conhaque, por exemplo; mas muitas vezes ele é o resultado de combinações delicadas de diferentes ervas ou outros ingredientes..."A conversa continuou adiante:
"Se eu dou as mesmas ervas a Sofia e a Lisa, cada uma fará um tempero diferente, tutto suo. De outro lado, um mesmo tempero pode resultar até de diferentes ingredientes ou misturas deles.
Lorenzo definiu as coisas: "Então temos ingredientes e temperos. Os temperos são produtos dos ingredientes e um mesmo produto pode resultar de diferentes misturas de ingredientes".
"Bravo professore! Lisa é capaz de produzir o sabor que ela quiser com as mais diversas combinações de ervas, licores, vinhos e especiarias. Foi assim que ela produziu sua receita genial".
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