terça-feira, 30 de outubro de 2012

Um jantar poderoso

Para muita gente, o 5e arrondissement representa o coração de Paris. Uma das regiões mais antigas da cidade, abrange a maior parte do quartier latin, o bairro intelectual e boêmio. Ali se encontram o Collège de France e a Sorbonne, escolas superiores e liceus, divisões da Universidade de Paris, livrarias, bibliotecas e também uma quantidade incrível de bistrôs, restaurantes, bares, cinemas e teatros. É sempre delicioso passear por suas ruas, descobrindo ou redescobrindo espaços de arte, lazer, cultura, gastronomia.

Foi ali que decidimos fazer nosso jantar de despedida da viagem. Não lembro o nome do lugar (o que é uma pena), mas lembro que ficava próximo à rua de l'Estrapade. Era um bistrô muito pequeno e gracioso com poucas mesas. O cardápio estava exposto em três quadros-negros.




Chegamos cedo e por isso conseguimos um lugar (aparentemente todas as outras mesas estavam reservadas e foram logo ocupadas). O restaurateur veio nos receber com seu cachorro que (vale notar) circulou junto com seu dono pelo pequeno salão durante todo o jantar. Simpático, o dono trouxe até nossa mesa um a um dos quadros negros onde se podia escolher um prato de entrada, um prato principal e uma sobremesa.  Apesar de descrever com entusiasmo todas as opções, preferimos deixar que ele nos aconselhasse e, assim, seguimos suas preferências e sugestões.

Nossa entrada constituiu-se de um "foie-gras mariné à la mûre et au jurançon". Fiquei encantada. Provavelmente era a primeira vez que eu provava um autêntico "foie-gras". Apresentado de modo simples, sobre uma espécie de "tábua" ou lâmina de ferro, a fatia de foie vinha acompanhada por uma pequena salada e um pão rústico torrado.

A seguir, o prato principal foi anunciado com muita circunstância pelo dono: "aoxa d'espelette". Eu não tinha ideia do que se tratava. Orientada por ele, fiquei sabendo que essa é uma receita basca tradicional que sua família costumava fazer com frequência. Trata-se de um prato muito forte, de carne (vitela) ensopada com batatas, bem apimentado. Como diria minha mãe: "um prato de levantar mortos!"

A esssa altura estávamos, minha amiga e eu, plenamente satisfeitas. Mas havia a sobremesa e, da atraente lista que nos foi apresentada, mais uma vez seguimos a sugestão do restaurateur e optamos pela "assiette de figues rôties".
Um jantar poderoso com certeza!

sexta-feira, 26 de outubro de 2012

Na região do Chianti

Através do cinema, da pintura e da literatura, fui construindo uma imagem do que seria a Toscana. Sonhava em percorrer aquela região, plena de videiras e oliveiras que, acreditava, sugeria calma e tranquilidade. De algum modo consegui espiar um pouquinho disso. Depois de alguns dias aproveitando dos encantos de Florença, partimos numa excursão de ônibus em direção à região do Chianti. 



Agora sim, o verde enchia nossos olhos, os vinhedos eram constantes. Paramos, inicialmente, na pequena e graciosa San Gimignano; seguimos para Siena que, tenho de confessar, me pareceu soterrada pelos turistas (como nós). Pouco deu para apreciar suas ruas, a catedral, a fonte, a enorme praça. Em tudo e por tudo muita gente (e muito calor!). Consegui recuperar um pouco da paisagem sonhada quando retornamos ao ônibus e prosseguimos até Monteriggioni para, depois, aportar numa pequena "azienda agricola", a Poggio Amorelli, onde teríamos a esperada degustação de vinhos, queijos e outras iguarias da terra.




Não me decepcionei. Fomos recebidos pelo casal proprietário da vinícola que, depois das usuais explanações sobre a produção da uva e dos vinhos, acomodou-nos numa sala e passou a nos apresentar alguns de seus produtos. Seja pela forma como o homem conduzia a apreciação dos vinhos (e também do queijo pecorino, dos azeites e do salame toscano) seja pelo efeito dos vários cálices e da proximidade provocada pelas grandes mesas, o fato é que alguma coisa mudava naquela gente que, até então, parecia estar "cada um na sua".  
Agora todo mundo conversava e trocava opiniões. Misturavam-se várias línguas (italiano, espanhol, português, inglês...). De repente formava-se um grupo e algumas curiosidades e informações se repartiam. 


Dos vinhos que provamos, apreciei especialmente um "morellino di scansano" DOCG (Poggio Barbone). DOCG, ou seja, Denominazione di Origine Controlata e Garantita implica num selo que garante a mais alta classificação para os vinhos italianos. Efetivamente estou longe de ser uma conhecedora de vinhos, mas achei muito saboroso. Tivemos chance de provar também um Chianti Classico DOCG Reserve (da própria Poggio Amorelli) que, segundo nos informou o proprietário, havia alcançado 98 pontos na avaliação da revista Wine Spectator.
Animados pelo vinho e pela conversa, muitos compraram produtos ou se espalharam pelos vinhedos, como eu. Um lindo passeio.


terça-feira, 23 de outubro de 2012

Por aqui, preparando o verão

A mesa florida parecia anunciar o verão neste domingo. Estávamos mudando o horário, com uma hora de sono a menos, o dia prometia ser quente. Tudo sugeria que o almoço deveria ser leve: uma salada apenas, acompanhada de uma espécie de pão crocante que, afinal,  consistia numa lâmina de massa folhada levada ao forno.

A salada muito colorida não se revelava simplesmente ao olhar. Em vez disso, sugeria o desafio de adivinhar seus ingredientes. A cada mordida uma descoberta: tomatinhos cerejas (sim, isso era fácil,  mas eles se apresentavam um tanto "dferentes" pois haviam sido levemente tocados pelo vapor), passas de figo, tâmaras, tirinhas de haddock defumado, cebolinhas italianas em conserva (bem suaves, nada avinagradas), cogumelos...
Por aqui também tem muita coisa boa, não é preciso viajar tanto!!



quinta-feira, 18 de outubro de 2012

Fruteiras e mercadinhos

Andar à toa pelas ruas, espiando um pouco das coisas e das pessoas do lugar é uma das delícias de uma viagem. Com a pretensão de ser mais uma delas, tentamos assumir um tom casual, tentamos nos misturar. Obviamente tudo não passa de um faz-de-conta. Somos estrangeiras, inevitavelmente. Nem é preciso abrir a boca. Nossos gestos nos traem. Não sabemos dos modos, costumes e jeitos daquele canto do mundo. Pior do que isso, somos turistas, espécie que, embora aceita ou, quem sabe, até desejada, costuma ser, muitas vezes,  um  tanto predadora. Turistas usam consumir depressa, têm olhar indiscreto, querem ouvir, saber, sorver, em pouco tempo, o máximo possível.

Mas às vezes conseguimos deixar de lado a voracidade e nos contentamos em provar um tantinho só da vida local. Na fruteira de uma esquina qualquer, numa venda modesta, longe dos endereços famosos, podemos ter um relance do cotidiano. Imitamos a gente comum e compramos uma fruta para sair comendo pela rua. Talvez isso seja tudo o que podemos fazer, ainda que a vontade fosse carregar um cesto com legumes e verduras que parecem incrivelmente frescos e preparar em casa uma refeição inteira, de verdade.

Em Florença, San Gimignano ou Veneza, nos encantamos com a doçura das frutas e com o frescor dos produtos. E o que dizer da variedade de arroz que se oferecia?



segunda-feira, 15 de outubro de 2012

De volta

Sempre amei viajar mas, à medida em que os anos e as experiências foram aumentando, tenho experimentado também o prazer de voltar. Acho bom reencontrar o "meu canto", as pessoas queridas, as coisas, os cheiros e gostos conhecidos.
Os dias vividos longe costumam ser intensos. O tempo parece passar diferente. São dias plenos de informação, de sabores, sentidos, desafios. As anotações de um diário nem de longe dão conta de tudo o que se vê e se faz. Não só pela incapacidade de registrar o colorido de tantas sensações como também por uma razão muito prosaica e concreta: o cansaço. Pernas e braços exigidos para além da conta, olhos e ouvidos encharcados de sons estrangeiros pedem descanso na cama do hotel. Sobra pouca energia e sagacidade para os relatos. Ainda bem que a tecnologia do Iphone dá uma ajuda. Por meio do discreto dispositivo, consigo registrar imagens que agora funcionam como gatilho para a memória.

Estou retornando de uma viagem em que o norte da Italía foi o foco e, como seria de esperar, as experiências de comida e bebida foram muitas e especialmente saborosas. Abandono qualquer pretensão de organização nos meus relatos. O máximo que posso fazer é trazer alguns recortes mais ou menos impressionistas desse passeio.

A Toscana possui uma gastronomia famosa e apreciada, usualmente descrita como simples e de grande qualidade. Acho que foi isso que me encantou ao provar (e repetir várias vezes) um antepasto aparentemente comum: um prato com finíssimas fatias de salames, presuntos e pedaços de macia mozzarella. Imediatamente pensei o quanto esses frios eram incomparáveis com os que costumo consumir por aqui. Por certo a forma como são curadas as carnes, os ingredientes e temperos são especiais e típicos da região, mas é preciso notar também que é apenas no momento de servir, quando já estamos sentados à mesa, que as finas lâminas são cortadas. O sabor e o frescor são visíveis. A mozzarella super cremosa parece, muitas vezes, quase uma burrata e, ao ser cortada, se esparrama pelo prato. O pão artesanal completa a maravilha. Tudo absolutamente delicioso!