É tempo de feijoada em Porto Alegre. Aqui, diferentemente de outras regiões do país, é quando o calendário anuncia o inverno que os grandes restaurantes e hoteis também anunciam suas "temporadas de feijoada". Isso não quer dizer que o prato esteja ausente em outros períodos do ano ou que não apareça, com regularidade, nos buffets à quilo e nos restaurantes populares. Mas quando chega o inverno é com pompa e circunstância que o ritual da feijoada com todos os seus ingredientes e aparatos entra triunfalmente em cena. Pelo menos pelas bandas do sul.
Sempre adorei esses momentos. Muito especialmente quando ia no Plazinha, um dos hoteis mais tradicionais da cidade que, desde os anos 1970, é famoso por sua feijoada nos sábados de frio. Logo ao sair do elevador a gente já se deparava com uma mesa atraente com pasteizinhos, linguiça, aipim frito e batidas de cachaça e frutas. Eu costumava fazer meu prato de aperitivo e pedir uma batidinha de côco que, ao fim e ao cabo, era depois repetida e virava minha bebida durante a refeição.
Escrevo no passado não porque o ritual tenha se extinguido, eu é que não tenho mais retomado o hábito. Acabei de algum modo submetida aos discursos, ou melhor, às "pregações" saudáveis que, cotidianamente, recomendam alimentação balanceada, rica em verduras, legumes e frutas, peixes e carnes magras. Que chatura!
Curioso é que a primeira lembrança que tenho de comer uma feijoada "comme il faut", foi no Rio de Janeiro, de biquini, à beira-mar, em Copacabana. Nenhuma preocupação com saúde, o que certamente se explicava por minha juventude e total desconhecimento das ladainhas saudáveis; nenhuma referência ao frio, pois o sol ardia na calçada e na pele. Sentada num boteco com meus primos, descalça e despreocupada, experimentei com prazer a feijoada. E fui seduzida de imediato por tudo aquilo.
Anos depois, em tempos de São Paulo, a feijoada voltou à minha vida. Agora era no Bexiga, com um grupo de amigos, aos sábados (naturalmente) num almoço que não tinha hora para acabar. Na verdade um almoço que costumava se estender por toda a tarde. Pagava-se por cabeça (e pouco) e podia-se repetir quantas vezes se quisesse. Então o bate-papo corria solto e, de tempos em tempos, o garçom enchia outra vez as cumbucas e nós, que estávamos preocupados em resolver todas as mazelas do país (esse foi um tempo de grandes debates políticos), retomávamos a combinação do arroz, feijão, costelinha de porco, farofa, etc.
Algumas vezes também ensaiei preparar o ritual aqui em casa. Dava certo. Desde a véspera eu me empenhava em dessalgar as carnes, deixar o feijão de molho, encaminhando tudo para o dia seguinte (um sábado "por supuesto"), quando então cozinhava o feijão e as carnes separadamente. Essas eram cuidadosamente escolhidas: sempre preferi as defumadas e determinados tipos de linguiça e deixei de lado o pé, a orelha e o rabo de porco. Depois eu juntava tudo numa grande panela, enquanto numa frigideira refogava a cebola picada e jogava algumas conchas do feijão para engrossar o caldo que fervia. Dada à minha pouca habilidade, geralmente eu comprava a couve já cortada em tirinhas finas e passava no azeite, pois não sou muito chegada ao bacon. Ah! fazia também uma farofa e cortava rodelas de laranja para acompanhar. Cores lindas: preto, branco, laranja, verde...Cheirinho gostoso. E gente, porque feijoada tem graça quando reúne um grupo de pessoas.
Enfim, lembrando todos esses momentos, me dou conta de que não faz sentido abandonar o ritual. De vez em quando vale a pena esquecer um pouco as precauções de saúde e as dietas!